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Por 337 a 125, governo tem expressiva vitória de uma derrota; o fator Lira – 01/06/2023
A Medida Provisória que reestrutura os ministérios foi aprovada por um placar bastante elástico: 337 votos a 125. Houve uma continência. E o presidente da Mansão não vota. Ao todo, 464 participaram do processo, com 49 ausências. Foi a vitória expressiva da guia do bom tino em vários sentidos: em primeiro lugar, cumpre lembrar que o texto de Isnaldo Bulhões (MDB-AL) é aquele que retira cinco competências do Ministério do Meio Envolvente e que transfere para o da Justiça a demarcação de terras indígenas. “Ah, Flávio Dino será mau com os povos originários?” A questão não é essa. É evidente que se trata com menoscabo a pasta comandada por Sonia Guajajara. Em segundo lugar, mesmo essa inflexão reacionária a que foi submetida a MP correu sério risco de ser derrotada. Em terceiro, Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, expôs sem meias palavras o que considera falta de coordenação política do governo e se mostra disposto a dividir o poder. Outra vez. Voltarei ao ponto depois dos números.
Que o Planalto tenha vislumbrado a possibilidade da guia, não se duvide. Ou a material teria sido votada na terça. Sete partidos não deram nenhum voto contrário: PT (64), PDT (18), PSB (15), PSOL (12), PCdoB (7), PV (6) e Rede (1). Quatro da bancada do PT e uma da do PSOL não votaram. Essa é a base quase totalmente leal ao governo: 123 votos na noite desta quarta — podendo chegar a 128. Nota: por que o “quase”? O PSOL deu 12 votos contra o busto fiscal. E PDT (1) e PSB (3) contribuíram com quatro em obséquio do marco temporal das terras indígenas.
Ocorre que União Brasil, PSD e MDB também detêm ministérios. Cada um recebeu três — o UB hoje conta com dois, depois da desfiliação da ministra Daniela Carneiro (Turismo), que deve ir para o Republicanos. Juntas, aquelas três legendas somam 144 parlamentares — 59, 43 e 42, respectivamente. O problema é que o governo nunca sabe com quantos pode, de indumentária, narrar. Observem: se a coisa se resumisse a uma soma, estaríamos falando de uma base com 272 parlamentares (128 + 144). Seria ainda insuficiente para assinar emenda constitucional (308), por exemplo, mas não seria difícil ocupar os votos restantes. Teria oferecido para assinar a MP com alguma folga.
Ocorre que essa conta não procede. Alguns dos adversários mais virulentos e barulhentos do Planalto estão justamente na UB. Houve nessas três siglas 95 votos em obséquio do marco temporal, por exemplo — e, pois, contra o governo. No caso da MP dos Ministérios, há na UB menos dissensões, mas ainda expressivas: 15 de uma bancada de 59 ficaram contra o texto; 35, em prol, e nove se ausentaram. Dos 43 do PSD, 36 disseram “sim”; dois, “não”, com cinco ausentes. A performance dos 43 do MDB é quase a mesma: 35 “sins”, três “nãos” e sete ausências.
Digamos que a superfície política do governo tenha mais certezas sobre os votos do PSD e do MDB, nos quais transita com mais facilidade. O União Brasil, no entanto, era uma incógnita. Ao encaminhar voto favorável da bancada, Elmar Promanação (BA), o líder, afirmou que, por seu paladar, o partido votaria contra a MP. Mais: isso seria uma unanimidade. E aí afirmou, dirigindo-se a Arthur Lira:
“Em homenagem a você, líder, nós vamos lhe escoltar e vamos votar de uma forma muito significativa em prol desse projeto. Esse gesto, presidente, eu faço em homenagem a você, que tem a minha lealdade, amizade e merece a minha crédito”.
Considerem: naqueles 337 votos, estão os 35 de que fala Promanação, que poderiam estar do outro lado. Segundo as palavras do líder do partido, eles foram dados a Lira, não ao governo. E o PP, do presidente da Câmara? Da bancada de 49, 34 votaram em prol, nove se opuseram, e seis não votaram. Voltemos aos 337: se os 35 do UB mais os 34 do PP votassem “não” em vez de “sim”, o placar negativo saltaria de 125 para 194, e o positivo cairia de 337 para 268.
Mas ainda falta nessa conta o Republicanos, com 42 deputados. Também essa legenda está sob a influência de Lira. Noto: zero menos de 33 apoiaram o marco temporal, e só quatro se opuseram. Desta feita, a legenda deu 31 votos em obséquio da MP e unicamente sete contra — com cinco ausências. Se esses 31 mudassem de lado, os 268 da conta anterior já cairiam para 237, e os 194 saltariam para 225… Os 12 do Podemos ficaram com o governo agora por 10 a 2. Na votação anterior, no entanto, o placar foi 7 a 3 contra, com duas faltas.
Esses números indicam por que não se procedeu à votação na noite de terça. O risco da guia era real. A teoria de que 300 parlamentares seguem a orientação de Lira é uma fantasia. Mas quem disse que ele precisa de tudo isso para definir um resultado em prol ou contra o Planalto? Se tiver uma “bancada” de 110, por exemplo, espalhados nas mais diversas legendas, pode fazer o resultado. Enfim, no jogo do “sim” ou “não”, eles seriam 220. Tirem os 110 dos 335 votos em prol, e se chega a 225. Some-se o mesmo número aos 125 que se opuseram ao texto, e se obtém 235. O governo seria derrotado.
RECADOS
Lira conversou ao telefone com Lula nesta quarta. Consta que o presidente evitou um encontro pessoal para não passar a sensação — que, entendo, não se desfez — de que o governo dependia, sim, de sua vontade e de sua orientação. Ao chegar à Câmara ontem, ele não economizou:
“Se [o texto] não for sancionado, não é por culpa do Congresso, não deverá a Câmara ser responsável”
E avançou, falando de si mesmo na terceira pessoa:
“O presidente da Câmara ajuda, mas ele não é líder do governo ou da oposição. Sou o presidente que mais teve votos de todas as vertentes. Venho alertando o governo dessa falta de pragmatismo. Há falta de consideração, de atendimento”.
É evidente que não se deve atribuir o resultado unicamente a ele. O governo também atuou, inclusive por intermédio da liberação de emendas. Sabendo a desordem que sobreviria a uma repudiação da MP, o presidente da Câmara tentou fingir que a bagunça não seria assim tão grande:
“Entendemos que não é uma material de vida ou morte para o país; é de organização para o governo. Se der evidente, parabéns. Se não der, acho que há outras maneiras de estruturar. Mas não vou ser responsável por resultado positivo ou negativo.”
Ele foi, sim, um dos responsáveis pela aprovação de um texto que, em si, já é muito ruim, mas que acabou virando o mal menor. É evidente que esticou a corda até o limite. Mas também não é suicida. Estamos falando de um interlocutor graduado do mercado financeiro. É evidente que recebeu os alertas da turma sobre o que significaria a guia do texto.
PADILHA NA BERLINDA
Os parlamentares reclamam da vagar no preenchimento de cargos de segundo e terceiro escalões e de empecilhos na liberação de emendas. Dá-se porquê óbvio que Lira pretende restabelecer a fatia que já teve de poder. E há quem afirme pelos corredores que faz uma dobradinha com José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Mansão. Seria o seu petista de estimação para o Ministério das Relações Institucionais, ocupado por Alexandre Padilha.
Será?
Em entrevista à GloboNews nesta quarta, o presidente da Câmara chamou Guimarães de “herói” e se referiu a Padilha nestes termos: “Todo mundo sabe quem faz a fala política do governo” — aquela mesma que ele havia criticado duramente.
Depois da votação, foi a vez de o petista repor elogios rasgados, não sem antes lembrar as dificuldades:
“Foi doído, foi doloroso, mas é uma vitória, fundamentalmente, do Parlamento. Alguns parlamentares tiveram grandeza e renunciaram às suas posições e compreenderam a sisudez do momento”.
Referindo-se diretamente a Lira, derramou-se:
“O governo haverá de reconhecer o seu papel e os gestos que teve na transporte desse processo para não permitir que esta material caducasse”.
E criticou os seus colegas do Planalto:
“Os líderes suaram no diálogo e deram crédito ao governo mesmo com as extremas dificuldades que vivenciamos — das demandas não resolvidas, dos chás de cadeira dos ministros, daquilo que não foi guiado”.
Elmar Promanação, aquele que dedicou os votos do União Brasil a Lira, afirmou:
“Depois que ficamos até a meia-noite de ontem [terça-feira] fazendo lavagem de roupa suja, devo expressar que a insatisfação é universal, todos os líderes reconhecem. Tudo isso é fruto da forma contraditória, desgovernada, da falta de uma base estabilizada”.
E disse explicitamente que a aprovação do marco temporal era um recado da Câmara ao governo.
ENCERRO
A votação desta quarta parece um ultimato de Lira. Se o próprio líder do governo aponta problemas de coordenação, convém levar a coisa a sério, mesmo que ele esteja de olho na cadeira de um companheiro de partido.
A jornada no Senado promete ser mais tranquila, mas convém não negligenciar. No caso da Câmara, o bom tino pensava ser contra-senso o bastante o que se havia proposto para os ministérios do Meio Envolvente e dos Povos Indígenas. E se viu que a coisa era muito pior. E convém lembrar: não é uma oposição organizada e programática que está a produzir dificuldades para o governo, evidente? Logo é quem?